SOU DO CEARÁ


"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome , pergunto o que há ?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará."

Patativa do Assaré

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

POESIA CEARENSE: BARROS PINHO





 
A liturgia do sertão no natal da espera 


               Barros Pinho

No Natal se dizem coisas diferentes
e a palavra tem sabor de oração
O curso lento dos riachos
se envolve afoito
na volúpia das águas
O canto das aves se faz
em salmo bíblico
na cortina das folhas
A jurema é o pinheiro do sertão
no sol de fogo da caatinga
O aboio do vaqueiro
tem o som da harpa de Davi
no templo azul ao fim da tarde
As crianças dançam a pureza
ao sopro da flauta de vento
no ombro das estrelas
O luar tece uma renda de luz
no ninho de palha
no ventre da mulher
As serpentes recolhem veneno
para alimentar
a insensatez da hipocrisia
Nas capelas à beira das estradas
os sinos batem/batem
na noite do campo
Na manhã
um concerto de pássaros
reúne violinos
ao compasso da viola
No espelho da sala
da casa de ontem
o retrato dos mortos
salta no rosto da memória
No curral rezam os bois
como anjos solenes
com o olhar no pasto branco do céu
Erecto sobre o tempo
o juazeiro espreita a chuva
no evangelho viçoso do verde
As abelhas
na elegância da doçura
espantam a amargura
tecendo labirinto de mel
O nazareno que acaba de chegar
tem olhos de vaga-lume
que afugenta a treva da terra
O rio Punaré
no passo do gado
cada vez mais próximo de mim
na solidão
Agora
na fazenda São José
a epifania das árvores
celebra a criação
no regaço do mistério
A eucaristia das pedras
na liturgia da espera
é um fio de ouro
no algodão da aurora
No Natal
o orvalho divino
sacramenta o eterno
no efêmero do homem


BARROS PINHO

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