SOU DO CEARÁ


"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome , pergunto o que há ?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará."

Patativa do Assaré

sábado, 7 de abril de 2012

SEMANA SANTA


IMAGEM:  http://www.arquidiocesebh.org.br/site/noticias.php?id_noticia=3348



ARTIGO 

" Semana Santa "

" Eu venho do outro milênio. Não nasci agora. Então, minha mente anda cheia de memórias. Conheço muito o passado. Nestas horas de recolhimento, Semana Santa, desfilam todas as lembranças do tempo de antigamente, quando tudo parecia completamente diferente do agora.
Na quinta-feira, em todas as paróquias, o lava-pés. Organizava-se um grupo dos mais humildes da cidade e o vigário, abaixado, lavava os pés de todos... Esse gesto, tão profundo de generosidade, era a repetição do mesmo ritual realizado pelo Cristo. A Igreja tinha todas as imagens cobertas de panos roxos. O foco agora era a Cruz. Os outros tinham vestimenta de dor e luto.
Na Sexta-Feira Santa, vivia-se o momento maior. Os bancos eram retirados e a Igreja parecia um grande vão desolado. Pelos corredores da Igreja, a Via Sacra, com todas as estações. Ao redor da igreja, um homem musculoso dobrava a matraca. No fim da tarde, iniciava-se a Procissão do Senhor Morto. Homens e mulheres, contritos, conduziam o esquife do Senhor pelas ruas principais. Havia dor e desespero.
O silêncio tomava a cidade. Nada de festa, barulho. Tudo estava fechado. Mesmo em casa, as pessoas se comunicavam de modo calmo, falando baixo. O rádio transmitia uma espécie de novela “O Mártir do Gólgota” e, nos intervalos, apenas músicas clássicas. Não tinha TV...
Até a alimentação vinha sendo modificada ao longo da Quaresma. Nada de carne. E, o aconselhamento do jejum. Alguns pratos eram degustados apenas nessa ocasião. Mas o movimento da cozinha era silencioso. Nenhum trabalho mais árduo. A cidade parecia deserta.
Éramos depositários de uma forte herança. A Igreja trinitina. Marcada pela dor, pelo sofrimento, pela expiação. Ainda dos tempos coloniais. Então, era a parte dolorosa que se destacava.
Uma nova doutrinação, fruto provável do Concílio Vaticano II, recuperou entre nós a importância do Domingo de Páscoa. O Cristo que venceu a morte. Capaz de nos conduzir à esperança do Eterno...
Não há tristeza nessas lembranças. Nem saudades. Sei que guardo as cores, os sons, as imagens dos tempos que sabíamos cultuar o sagrado."


Antonio Mourão Cavalcante

 a_mourao@hotmail.com Médico, antropólogo e professor universitário

FONTE: JORNAL O POVO
http://www.opovo.com.br/app/opovo/opiniao/2012/04/07/noticiasjornalopiniao,2816391/semana-santa.shtml

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