Patrimônio
" Colégios centenários enfrentam desafios para se manter na Capital "
" Com as mudanças na metodologia de ensino, muitas escolas tiveram de se adequar às novas políticas educacionais "" Além de se tornarem patrimônio histórico da cidade e de contarem importante parte da história de Fortaleza, escolas centenárias possuem grande valor emocional para os cearenses. São recordações dos tempos de juventude que não voltam mais. Lembranças que remetem a um passado cheio de descobertas, amores e aventuras. Basta passar em frente a uma dessas instituições para uma espécie de filme ser formado na cabeça de cada um.
Mas o que essas escolas ainda mantêm de tradicional? Quais os desafios que elas enfrentam para se manter? Com a formação de grandes conglomerados educacionais, focados em formar o jovem para o vestibular, tornou-se mais difícil competir. Além disso, a educação se descentralizou. Praticamente todos os bairros da cidade passaram a ter escolas. Ainda assim, muitas instituições centenárias resistem. Não com o glamour que um dia ostentaram, elas tiveram que se adequar aos novos tempos.
Tradição
Instituições centenárias são a prova viva da construção da educação no Ceará. Referência local, o Liceu do Ceará (167 anos) é a mais antiga instituição educacional do Estado e a terceira mais antiga do País. Atheneu Norte-Riograndense (178 anos) foi a primeira escola brasileira a ser construída e o Dom Pedro II (175 anos), do Rio de Janeiro, a segunda. Pelo Liceu, passaram grandes ícones da sociedade cearense nas áreas jurídica, política e artística nacional. Nomes como Barão de Studart, César Cals, Edson Queiroz, Fausto Nilo, Juraci Magalhães, Farias Brito, Raimundo Girão e Clóvis Beviláqua, dentre tantos outros.
Com o passar dos anos, o Liceu teve que se adequar às políticas educacionais. Hoje, são cerca de 2.500 alunos, mas não possui o "glamour" dos tempos áureos. Frequentemente, a escola recebe visita de ex-alunos que querem ir na sala onde estudaram relembrar o que viveram ali.
A diretora Amélia Landim frisa que é importante criar uma política pública no sentido de preservar as escolas centenárias. No Liceu, por exemplo, a parte documental antiga teve de ser transferida para o arquivo público, pois estava se deteriorando.
Na década de 1980, uma sala reunia nomes e biografias de alunos ilustres, representando verdadeira aula de história, sem precisar de professor. Lamentavelmente, ele não existe mais. "Pessoas chegam de outros estados e nós não temos essa história grava aqui", reconhece Amélia.
Instituições
Liceu do Ceará
Fundado em 1845, o Liceu do Ceará é a mais antiga instituição de ensino do Estado. Em seus tempos áureos, chegou a ter 80 turmas. Hoje, conta com cerca de 2.500 estudantes, nos três turnos. Por lá, passaram cearenses ilustres, como Barão de Studart, César Cals, Edson Queiroz e Farias Brito Foto: Lucas de Menezes
Justiniano de Serpa
A antiga Escola Normal foi fundada em 1881, mas somente em março de 1884 foi inaugurada. Depois do Liceu é a instituição de ensino mais antiga do Estado. Teve como alunas mulheres da alta sociedade cearense Foto: Kelly Freitas
Colégio Cearense
Se ainda existisse, a escola comemoraria centenário neste ano. Em seu tempo áureo chegou a ter 4.500 alunos. Coordenada pelos irmãos Maristas, a instituição passou a receber mulheres só em 1947 Foto: Lucas de Menezes
Clóvis Beviláqua
Fundada em 1913, a escola da rede estadual de ensino, situada na Avenida Dom Manuel, no cruzamento com a Avenida Santos Dumont, comemora o seu centenário neste ano, ainda em plena atividade Foto: Kelly Freitas
Imaculada Conceição
Neste ano, o colégio completa 148 anos. Famílias tradicionais, como Alencar, Pinheiro e as ´protegidas´ de Padre Cícero estudaram lá. Uma de suas alunas mais ilustres é a escritora cearense Rachel de Queiroz. Por lá também passou a jornalista Adísia Sá Foto: Kelly Freitas
Memorial preserva história em escola
Artefato de madeira formado por um círculo e uma haste, a palmatória foi muito utilizada no passado para castigar alunos indisciplinados. Elas ainda existem, mas depois que a sua utilização se tornou crime no País passaram a ser utilizadas só para ilustrar memoriais, como o que existe no Colégio Estadual Justiniano de Serpa. São duas salas destinadas para contar um pouco da história da instituição e da educação em Fortaleza. A mesma sala que serve de memorial do que um dia foi a educação ali contrasta com jovens circulando com aparelhos eletrônicos, como modernos celulares, em sinal de que os tempos são outros.
A jornalista Adísia Sá, 82 anos, começou a lecionar na escola em 1958. Dava aula de filosofia para o então chamado clássico e científico. Ela ressalta que a Escola Normal é tão importante para a história da educação do Ceará quanto o Liceu. "Era a única escola pública para mulheres, só depois que passou a ser Justiniano de Serpa é que se tornou mista", recorda a jornalista.
Palmatórias eram utilizadas para castigar alunos indisciplinados. A prática hoje é considerada crime no País. Por conta disso, esses artefatos só são encontrados em museus e memoriais, a exemplo do Colégio Justiniano de Serpa Foto: Kelly Freitas
Catolicismo
Uma característica marcante em praticamente todas as escolas centenárias é que são instituições públicas de ensino ou iniciativas religiosas. Também são centenárias a Escola de Ensino Fundamental e Médio Clóvis Beviláqua (1913), o Colégio da Imaculada Conceição (1865), o Colégio Cearense (1913) e o Colégio Santa Cecília (1912), para citar algumas instituições.
Marco Aurélio de Patrício Ribeiro, mestre em educação, diz que havia, por parte do Império, incentivos à criação de escolas particulares, mas sem resultado, ficando o governo com o ônus da exclusividade na posse das instituições de ensino. No início do século XX, a República passou a incentivar a difusão de escolas pelo Brasil. O pedido foi atendido pela Igreja Católica, que através de suas ordens religiosas de padres e freiras começam a abrir escolas pelo País.
Os Jesuítas, as Vicentinas, os Salesianos, os Maristas e a ordem da Damas abrem escolas em quase todo o Brasil. Na década de 1930, o governo criou o Ministério da Educação, para dar uma organização ao crescimento da criação de escolas e gerar uma discussão sobre um currículo nacional. "Nesse novo momento da educação no Brasil surgem educadores que rompem com o modelo de ensino tradicional e buscam uma forma de ensinar mais conectada com o mundo do educando e mais motivadora", esclarece Ribeiro.
Aos 92 anos, a irmã Elisabeth Silveira comenta que o Colégio da Imaculada Conceição está muito mudado, não só a estrutura física (que foi ampliada), como os antigos costumes e tradições, que foram se perdendo ao longo dos anos. Ela recorda que em 1943 eram 48 irmãs. Hoje são 18, mas só 11 estão na ativa.
Ex-alunos celebram centenário do Marista
Após resistir por 94 anos, o Colégio Cearense, dos irmãos Maristas, fechou as portas em 2007. Se ainda existisse, a escola completaria no próximo mês, 100 anos. Apesar de não mais existir, ex-alunos organizaram uma grande festa que será realizada em 23 de fevereiro, no próprio colégio, onde hoje funciona a Faculdade Marista, para celebrar o centenário da instituição.
A representação das escolas centenárias na vida de muitos cearenses é tão forte, que mesmo não sendo tombadas, elas permanecem vivas na memória de seus ex-alunos e no imaginário da cidade. São, sem dúvida, patrimônio material e imaterial de Fortaleza. "Ex-aluno sim, ex-Marista nunca", é o lema dos que passaram pelo Cearense.
Elite
Edgar Linhares, presidente do Conselho Estadual de Educação comenta que a história da educação do Ceará é uma montanha de escolas boas que se fecharam. Para ele, os conceitos modernos de desenvolvimento são diferentes dos tradicionais. "Hoje, temos um conjunto de escolas de elite", critica. Linhares diz que ler é fundamental para o conhecimento e que o principal objetivo da educação é ensinar a pensar.
Centenários
Liceu do Ceará
Fundação 1845
Imaculada Conceição
Fundação 1865
Justiniano de Serpa
Fundação 1881
Colégio Santa Cecília
Fundação 1912
Escola Clóvis BeviláquaFundação 1913
Colégio Cearense
Fundação 1913
LUANA LIMAREPÓRTER
FONTE: JORNAL DIÁRIO DO NORDESTE
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1229857
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