* Você ENTENDE “mesmo” a questão do Estado Laico?
" Hoje o que se diz por aí é que o Estado é laico, e por isso a religião não pode influenciar nas decisões do mesmo. Para tanto, citam como fundamento legal a previsão do art. 19, I, da Constituição Federal de 1988. "
" Antes de tudo, é importante dizer que a previsão de que o Estado é laico não nasceu na Constituição Federal de 1988. Esta previsão (separação entre Estado e Igreja) já existia desde o Decreto nº 119-A, de 07/01/1890, ou seja, antes mesmo da promulgação da Constituição de 1891.Esta previsão foi mantida na Constituição da República de 1891, e em todas, repito, TODAS as Constituições do Brasil que lhe sucederam (1934, 1937, 1946, 1967/69 e 1988).
Mas vejamos o que diz o art. 19 da CF/88:
Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
A primeira coisa que nos chama a atenção é fato de que nenhum dos órgãos públicos estabeleceu cultos religiosos ou igrejas … até aqui, tudo certo, pois não temos uma religião estatal e muito menos uma definida como oficial.
Segundo, nenhum órgão da administração pública pode subvencionar ou embaraçar o funcionamento de entidades religiosas. Para analisar este trecho, é importante definir que “subvencionar” significa “prestar ajuda, auxiliar, subsidiar”, e “embaraçar” significa “causar embaraço, atrapalhar, criar dificuldade”. Mais um ponto em que o Estado está cumprindo a previsão da CF/88.
Da mesma forma, o Estado não mantem relação de dependência ou aliança com entidades religiosas ou seus representantes, a ponto de se dizer que o país deixou de ser laico.
Mas é nesse momento que alguém vai gritar: OPA!!! E os benefícios fiscais concedidos às igrejas??? Isso não é subsidiar???
Vamos ver o que diz a Constituição Federal nesse sentido:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:(…)
VI – instituir impostos sobre:
a) patrimônio, renda ou serviços, uns dos outros;
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
d) livros, jornais, periódicos e o papel destinado a sua impressão.
Neste momento existem 3 reações distintas:
1. Vixe, não é apenas para as igrejas?!?
Pois é, acredito que quem teve esta surpresa nunca teve a curiosidade de procurar.
2. Eu já sabia disso.
Muito bem, Flipper. Você fez o dever de casa.
3. Olha aí, tá vendo o eu disse??? Isso é subsidiar as entidades religiosas!!!
Aqui está o apressadinho que quando lê um texto só destaca o que lhe interessa, sem ver o contexto geral. Vou tentar te ajudar.
A alínea “a” fala que não poderá a União cobrar imposta dos Estados/Distrito Federal/municípios, sendo que o mesmo vale para situações inversas. Convenhamos que é uma coisa lógica.
A alínea “b” fala das instituições religiosas, porque se tratam de instituições sem fins lucrativos (pelo menos é o que se espera … se você sabe de alguma que não se enquadre nesse caso, e tem provas disso, procure o Ministério Público). Além do mais, levando em conta a possibilidade de embaraçar o funcionamento das entidades religiosas (ou alguma em específico) por meio de abuso fiscal, entendeu que se devia assegurar a imunidade fiscal.
É o mesmo entendimento a ser aplicado à alínea “c”. Vejam que aos partidos políticos e sindicatos se dá a mesma imunidade fiscal. Trata-se de benefício constitucional ao funcionamento de tais entidades, visando a garantia do Estado democrático de direito para evitar perseguição política ou religiosa.
A alínea “d” é fruto de fatos decorrentes da ditadura militar, que tentava controlar toda a informação.
Portanto, o fato de ter sido concedido imunidade fiscal às entidades religiosas não tira do Estado o seu caráter de laicidade, assim como não o torna adepto de qualquer partido político.
Bom, acredito que está mais do que claro que o Estado é laico em seu funcionamento, pois não é conduzido por nenhuma instituição religiosa, não criou nenhuma instituição religiosa e muito menos adotou qualquer religião como a oficial. Esta é a previsão da Constituição Federal que vem sendo seguida a risca.
No entanto, os que gritam o Estado é laico tem como alvo duas situações: influência das igrejas em diversos assuntos (por exemplo: aborto, casamentos homossexuais, etc.) e símbolos religiosos em órgãos públicos. Vamos analisar estes argumentos.
A influência das igrejas no Estado
Antes de tudo temos que lembrar que a religião é um fator importante na sociedade, a tanto que a imensa maioria dos brasileiros tem alguma crença religiosa. Não é à toa que na Constituição Federal se tenham artigos com proteção a direitos dos que professam alguma fé.
Portanto, ainda que o Estado não assuma qualquer cara religiosa, não pode fechar os seus olhos para este aspecto da sociedade brasileira. Não pode fazer de conta que não existe.
Uma das características de um Estado democrático de direito é a liberdade de expressão, e no Brasil pós-ditadura isso se concretizou. Vejam que hoje temos diversos movimentos defensores de direitos, como é o caso dos sem-terra, negros, homossexuais, mulheres, etc. Todos, repito, TODOS são importantes para o debate democrático e devem ser ouvidos, pois fazem parte da sociedade.
Mas quando alguma instituição religiosa levanta sua voz para defender qualquer crença sua …aí não pode, pois o Estado é laico. É como se a religião não existisse na sociedade.
Que porcaria de Estado democrático de direito é esse??? Quer dizer que os jogadores de futebol podem fazer seu movimento e defender seus interesses, mas o setor religioso da sociedade não pode???
Que me desculpem os que insistem nessa ideia (que as igrejas devem ficar caladinhas no canto da sala e olhando para a parede), mas esta premissa é digna de regime ditatorial. É tentar fazer algo que os comunistas fizeram no leste europeu ao tentar limitar a expressão religiosa.
Não estou dizendo que as posições defendidas pelas entidades religiosas devam prevalecer, mas estou defendendo o seu direito de expressão. Como já disse em texto anterior, acho que até Voltaire defenderia este direito, afinal dele veio a célebre frase “não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até a morte o direito que tens de dizê-las”.
Ainda, o fato de uma entidade religiosa defender qualquer posicionamento e o Estado tomar uma decisão que seja semelhante, não significa que deixou de ser laico!!!! Significa que ouviu um setor da sociedade, ponderou sobre o que ouviu, e tomou uma decisão.
Vamos a um exemplo prático: se por acaso você anda muito bravo, mas bravo mesmo, a ponto de esganar alguém, chega um amigo seu budista e começa a falar que você deve deixar sua raiva de lado e para tanto traz diversos argumentos próprios do budismo … você ouve, pensa melhor, e aceita o conselho dele … quer dizer que virou budista??? Não, né!!!
Está na hora de aprenderem que o Estado laico se caracteriza pela sua ausência de religião oficial ou criada por ele. Também que a religião faz parte do homem, é peça importante da sociedade e o setor religioso pode ser ouvido sem problemas.
Símbolos religiosos em órgãos públicos
Este assunto está cada vez mais em pauta … vamos ver o que se pode falar a respeito.
Estamos falando de uma nação que em sua IMENSA maioria se diz católica. Só para se ter uma idéia, no censo demográfico de 2000 elaborado pelo IBGE consta que a proporção da população brasileira que se diz da religião católica é de 73,8%, evangélica de 15,41%, sem religião de 7,4%, demais religiões de 3,4%, etc. (vejam quadro ao lado).
Isso pode ser fruto de uma relação histórica ou opção consciente, mas este posicionamento explica o porque se encontra tantos símbolos religiosos em órgãos públicos. É uma situação normal decorrente de um fato social, e não uma opção/posicionamento do Estado (que é laico).
Conforme já exposto em uma decisão judicial, “em um país que teve formação histórico-cultural cristã é natural a presença de símbolos religiosos em espaços públicos, sem qualquer ofensa à liberdade de crença, garantia constitucional, eis que para os agnósticos ou que professam crença diferenciada, aquele símbolo nada representa assemelhando-se a um quadro ou escultura, adereços decorativos”. (leia AQUI )
Ok, acho que se explica o porquê de se ter símbolos religiosos em órgãos públicos … mas isso representa uma ofensa ao “Estado laico”? Acredito que não.
- Primeiro, que um símbolo religioso não vai fazer com que o Estado deixe de ser laico (conforme a previsão do art. 19 da CF/88). Esta característica está muito além de um objeto (seja ele qual for) exposto.
- Segundo, que este símbolo não vai causar nenhum constragimento ao servidor público, a ponto de pautar seus atos.
- Terceiro, não representa que o Estado esteja fazendo propaganda ou favorecendo esta ou aquela religião.
Como muitos sabem sou advogado e já vi ações judicias contra entidades religiosas, e posso dizer que não vi até hoje nenhum favorecimento a esta ou aquela entidade só porque na sala de audiência tem um crucifixo.
Será que alguém acredita que o Cristo representado naquele crucifixo vai descer da cruz e dizer para o servidor público o que ele deve fazer??? Por favor, né!!!
Bom, se o símbolo religioso não tira a laicididade do Estado, qual o problema dele estar ali??? Ah, já sei, os que não professam aquela fé se sentem ofendidos … mas interessante que os feriados religiosos previstos na lei eles gostam, né???
Hoje querem tirar os símbolos religiosos (como se eles fossem perigosos ao bom funcionamento do Estado), e logo vão tentar impedir que os servidores públicos usem alguma objeto que expresse qualquer religião. Sim caro leitor, este é o próximo passo. Fatos históricos mostram isso … basta ver que na Europa já aprecem diversas proibições de expressões (veja AQUI , AQUI eAQUI ).
Eu até entenderia se estes símbolos religiosos que estão nos órgãos públicos atrapalhassem a laicidade do Estado, mas não atrapalham. Essa onde de querer tirar estes objetos não passa de birra, para querer dizer depois “ganhamos da Igreja“. Está mais para uma ato de intolerância religiosa do que uma defesa da laicidade do Estado.
Vamos pensar em coisas mais sérias e imediatas. Assim como o objeto não tira do Estado a sua laicidade, da mesma forma não vai deixa-lo mais laico se ele for tirado.
Se houvesse alguma ofensa legal na presença destes símbolos nos órgãos públicos, pode ter certeza que eu apoiaria que fossem tirados. Mas como não há qualquer problema legal ou ofensa a princípios constitucionais, entendo que os símbolos devam ficar onde estão, ou pelo menos que não sejam tirados por interesses raivosos contra qualquer religião."
FONTE:
BRANDALISE, André Luiz de Oliveira, A questão do Estado Laico, publicado em 09/03/12 no blog “André Brandalise”
http://alobrandalise.blogspot.com/2012/03/questao-do-estado-laico.html
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