COLUNA
Batista de Lima
" Foi com tristeza que recebi a notícia, via meu professor Sânzio de Azevedo, da retirada da disciplina Literatura Cearense do currículo do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC). Anteriormente já circulara a informação de que haviam podado 50% da disciplina. Isso porque ao ser criada, pelo professor e poeta Artur Eduardo Benevides, passou a ser estudada em dois semestres. Tempos atrás esse estudo foi reduzido para um semestre apenas. Agora vem a fatalidade de sua retirada total. Professor Sânzio está abalado com esse desfecho, tendo em vista que tem sido ao longo dos anos quem mais lecionou essa disciplina e mais tem pesquisado sobre ela.
As pesquisas do professor Sânzio levaram-no a publicar, em 1976, o livro "Literatura Cearense", uma antologia de 600 páginas, até hoje o trabalho mais abrangente em torno dos nossos escritores até aquela data. O livro não foi reeditado nem complementado até nossos dias devido a algumas críticas infundadas de escritores menores que não se viram contemplados em suas páginas. Por conta desse e de outros livros seus em torno de nossa literatura, nosso Sânzio é tido como a mais acreditada autoridade no assunto. Ele lecionou essa matéria, por muitos anos, tanto na UFC quanto na Universidade Estadual do Ceará (Uece).
A tristeza do professor, portanto, tem sua razão de ser. O único espaço em que se estuda nossa literatura tem sido nos cursos de Letras das universidades públicas do Ceará. Isso porque as instituições particulares não mais estão ofertando esse curso, com sua licenciatura. As despesas com que os alunos teriam que arcar não teriam retorno em um mercado de trabalho em que o professor não é remunerado como merece. Mesmo nas públicas, os estudantes que concluem a licenciatura em Letras estão optando muitas vezes pela continuação dos estudos, em especializações, mestrados e doutorados como forma de um dia ingressarem no ensino superior.
A pergunta, no entanto, que surge, é em torno das razões que levam os dirigentes de um curso de Letras em retirar o estudo de nossa literatura local. Muitos dizem que com as novas tecnologias não existe mais nada local nem nada de fora. Tudo está inserido em tudo. Dizem que o nosso autor possui as portas abertas do mundo todo para ser veiculado e lido em qualquer parte. Acontece que não é lido, e se não o é, consta que lá fora não está chegando. Nem nas escolas locais nossos escritores conseguem chegar. O único local onde ainda se estudavam nossos escritores era nos cursos de Letras que possuímos.
Há algumas décadas venho lecionando Literatura Cearense na Uece e na Unifor e a primeira constatação com que me deparo é com o desconhecimento que os novos alunos, a cada semestre, têm da nossa Literatura. Depois de um semestre eles ficam impressionados com a grandeza da Literatura Cearense e com a falta de valorização de nossos escritores. O curso de Letras da Unifor está desativado, por enquanto, mas no da Uece há oitenta alunos matriculados em duas turmas, uma pela manhã, outra à noite, mas já há licenciaturas dentro do Curso em que a Literatura Cearense não é ofertada.
Mesmo com essas dificuldades, esses oitenta alunos se encarregam, ao longo do semestre, de resgatar, cada um, um escritor diferente de nosso Estado. Assim, temos oito dezenas de escritores que são estudados a cada semestre. Além disso, procuramos incentivar cada um a estudar textos de nossos autores quando estiverem no mercado de trabalho nas nossas escolas. Essas escolas costumam exigir a leitura de quatro livros paradidáticos ao longo do ano letivo. É, no entanto, muito difícil se adotar algum autor local nessas instituições de ensino. Parece que os gestores de nossas escolas não acreditam em nossos autores, não confiam na qualidade do que produzem. Também não há mídia em torno do que se publica entre nós. Não há distribuição dos nossos livros. As políticas poucas que existem, na promoção de nossos produtos literários, são incipientes. As discussões em torno do assunto inexistem. Nunca ouvi falar de um fórum de discussão em torno da divulgação, da distribuição e da leitura de nossos escritores. E não é por falta de produção, afinal, é difícil um dia sem lançamento de livro entre nós.
Esses lançamentos privilegiam clubes elegantes para acontecerem, o que muitas vezes inviabiliza a promoção do autor de pouco poder aquisitivo que não vai ter como alugar o espaço, oferecer o coquetel e mobilizar as mídias. As editoras existem entre nós às dezenas, já se fala que giram em torno de trinta, mas não têm apoio de uma distribuidora ao menos. O livro não anda, não chega em outros estados. Há livrarias em Fortaleza em que não se encontram autores cearenses. Há pelo menos um caso em que a livraria filial daqui, pede para enviarmos o livro para a matriz no Sudeste, que de lá, por questão de controle e avaliação, o livro virá para suas prateleiras.
Diante desses impasses, não é retirando a Literatura Cearense do currículo do curso de Letras que promoveremos nossa Literatura. O Ceará possui excelentes escritores em atividade, produzindo bons livros e que necessitam do apoio de políticas públicas que valorizem o que se produz aqui. É preciso principalmente que o leitor jovem tome conhecimento do que já se produziu e se produz em Literatura entre nós. Um dos caminhos para essa valorização seria a obrigatoriedade do ensino de nossa literatura nas licenciaturas de Letras, Pedagogia, Ciências Sociais e História e também da aplicação de pelo menos um paradidático, obrigatoriamente, entre os tantos usados por ano em cada série de nossas escolas de ensino fundamental e médio."
Batista de Lima
caderno3@diariodonordeste.com.br
Muito boa a matéria. Batista de Lima sabe o que diz, porque conhece a realidade: é professor e é escritor cearense.
ResponderExcluirParabéns, Batista de Lima!