SOU DO CEARÁ


"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome , pergunto o que há ?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará."

Patativa do Assaré

sábado, 18 de setembro de 2010

POESIA CEARENSE: AÍLA SAMPAIO







E OUTRO TEMPO




Há em mim uma casa desabitada
perdida no abandono dos ventos
que sopram sem direção
há portas que batem silenciosas
atrás de um adeus sem data,
lágrimas nas paredes retintas
e trancas enferrujadas nos portais
há hera entranhada nas vigas,
nos muros e em minha alma,
fechando porteiras,
lacrando janelas
misturando-se ao musgo
que no jardim cresceu.
Há em mim um silêncio quase sagrado
e a memória de um tempo que não é o meu.


AÍLA SAMPAIO


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AUSÊNCIAS


O que me habita é feito de ausências:
a casa perdida nos abismos da memória,
o amor feito lembranças do que poderia ter sido,
a criança que insiste em rasgar
o tecido do tempo em que borda sua história.
O que tenho são metades, nunca inteiros.
Sou feita assim, dessa argamassa vil dos crédulos
que sonham sem medo dos interditos e dos desesperos.



AÍLA SAMPAIO

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SEPARAÇÃO



Deixo teu corpo
como quem deixa a pele
e em carne viva
se expõe ao sol.

Como o filho que deixa a casa,
deixo teu corpo em silêncio
sem itinerário e só.

Deixo teu corpo
como quem abandona
o cais e perde-se
mar adentro
sem medo de não voltar.

Como quem naufraga,
deixo teu corpo
e minha alma nele
nua a dardejar.
Como quem se mutila,
deixo teu corpo
como quem deixa a vida.


AÍLA SAMPAIO



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CENA


Leves os teus dedos pela minha pele,
entre os pelos, entre os planos desfeitos e refeitos,
arrancando-me gemidos, certezas, dádivas, dúvidas.
Traço linha a linha o horizonte do teu corpo
como em tela pintando barcos,
como em argila esculpindo música;
em tuas calmas águas, em teus sedentos beijos
abrindo subterrâneos acordes
sob o branco dos lençóis.

É assim minha astúcia com as tintas
com que te pinto, com o barro com que te visto:
acordo cores em teu regaço,
desenho fontes onde escorre mágoas.
Depois de feita a arte-final,
por medo ou desilusão, talvez,
esqueço a cena
e te contemplo apenas de longe
como uma tela que não pintei...


AÍLA SAMPAIO



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PESADELO




Faz frio, muito frio
quando fico triste. Tenho até febre
durante a noite que antecede o desvario completo.
Faz frio e fica escuro o quarto vazio,
com o resto do teu cheiro de mar e ventania
fechando a minha boca
para eu não gritar.
Num impulso, tu agarras os meus cabelos
e me lanças a um fundo abismo
sem se importar com os meus gritos, o meu medo;
já descendo, a roupa ao vento,
eu acordo muda e com frio,
vejo a realidade, seu ar sombrio,
e peço, por tudo, que volte o pesadelo. "


AÍLA SAMPAIO

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Nunca mais



Jaz teu corpo.
Nunca mais tua boca
fará de mim teu alimento.

És um homem morto.

Nunca mais tuas mãos
tocarão meu corpo;
nunca mais nossos olhos
se beijarão em silêncio.

Só o tempo nos unirá um ao outro
quando enterrados estivermos
na indiferença, no esquecimento.


Aíla Sampaio, 22/08/2010

FONTE: poemas
AÍLA SAMPAIO
amlsampaio@yahoo.com.br

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CONHEÇA MAIS UM POUCO SOBRE AÍLA SAMPAIO



AÍLA MARIA LEITE SAMPAIO nasceu em Abaiara-Ce., cursou as séries do Ensino Fundamental em Colégio de freiras, em Milagres, e o Ensino Médio no Colégio Cearense Sagrado Coração, em Fortaleza, de onde saiu em 1983. Graduou-se em Letras pela Universidade Estadual do Ceará - UECE e lá também fez o Curso de Especialização em Língua Portuguesa. Em 1993, ingressou no Mestrado em Letras da UFC e apresentou a dissertação Tradiação e Modernidade nos contos fantásticos de Lygia Fagundes Telles, em 1996, ano em que nasceu a sua primeira filha. Em 1995, ingressou na Secretaria de Eduacação do Ceará, como professora concursada, e, em 1998, nasceu o seu segundo filho. Em 2001 passou a integrar o quadro de docentes da Universidade de Fortaleza - UNIFOR, ensinando Metodologia da redação no Curso de Direito. Coordenou o Curso de Letras durante dois anos; atualmente, é editora da Revista de Humanidades e leciona nos Cursos de Publicidade e Propaganda e Audiovisual e Novas Mídias as disciplinas: Língua Portuguesa I e II e Estética e Linguagem. Escreve contos, crônicas, poemas e ensaios, que vem publicando esparsamente em jornais, revistas e blogs. Publicou dois livros de poemas: Desesperadamente Nua (1987) e Amálgama (2001) e um de ensaio: Os fantásticos mistérios de Lygia (2009). É membro da Academia Cearense de Língua Portuguesa, cadeira 21.


Quem quiser conhecer os seus ensaios, acesse:
http://www.litebrasil.blogspot.com/
http://www.litecearense.blogspot.com/
 


FONTE: http://literaila.blogspot.com/2010/08/nunca-mais.html

3 comentários:

  1. Parabéns pelo post da Aíla. Ela tem uma bela trajetória. É atualmente, uma grande represente para a literatura Cearense.
    Um abraço,
    Margleice

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  2. O)brigada, Auriberto. Irmandade poética é iso...
    Abraço, Aíla

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  3. A beleza também é fundamental nas palavras, parabéns Aila Sampaio por saber traduzir beleza e sensualidade em suas poesias. Abraço!!
    Anita Costa

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