GONZAGA MOTA E AURIBERTO
" As memórias de Totó "
Fonte: O POVO Online/OPOVO/Páginas Azuis
" Gonzaga Mota, Totó para os amigos, governou o Ceará de 1983 a 1986. Nessa entrevista, a versão dele reconta histórias do período
Aos 68 anos, o ex-deputado e ex-governador Gonzaga Mota trocou a política pela literatura. Acaba de lançar um livro com compilação de artigos de sua autoria, diz já ter encaminhado uma obra de poesias para a editora e trabalha, agora, numa autobiografia. Outros dois projetos literários ocupam suas preocupações no momento. Apesar disso, a política ainda o entusiasma como tema de discussão, pelo que demonstra o resultado de duas horas e meia de conversa com O POVO, na tarde da terça-feira, dia 22.
O próprio ambiente onde a entrevista aconteceu, o pequeno escritório de trabalho do seu apartamento, é pura política. Por exemplo, fotos com político e de políticos ornamentam a parede.
Gonzaga Mota fala de tudo. De como virou candidato a governador em 1982, de como fez de Tasso seu sucessor quatro anos depois, das dificuldades que enfrentou no governo e após deixá-lo, dos rompimentos que protagonizou e da dependência que diz ter hoje da pensão de ex-governador que recebe. Vale conferir.
O POVO - O senhor está aposentado da política??
Gonzaga Mota - Nunca gosto de dizer nunca mais. Diria que tenho ainda um por cento de probabilidade de ser político, para 99 por cento de intenção de não mais disputar. Por que isso? Entrei muito cedo na política, quase todas as pessoas com as quais me relacionei tinham idade para ser meu pai, aprendi a fazer política com um cidadão chamado Virgílio Távora, que já não existe mais.
OP - O senhor diz que aprendeu a fazer política com o ex-governador e ex-senador Virgílio Távora. Como é que ele chegou ao seu nome para o cargo de secretário de Planejamento lá nos anos 70?
Gonzaga - Eu conhecia o Virgílio por já ter votado nele uma vez, quando era ainda um garoto. Enfim, me formei em Economia, pela UFC, e depois, na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, cursei a pós-graduação. Lá fiz boas amizades, principalmente com o diretor da faculdade, que era, então, o professor Mário Henrique Simonsen. Uma figura de alto respeito, que, nas décadas de 60, 70, 80. talvez tenha sido o principal economista do Brasil. O primeiro plano de governo do Virgílio tinha sido coordenado por Hélio Beltrão, homem de grande respeitabilidade, competentíssimo, e ele, querendo seguir o mesmo caminho, foi ao Simonsen, de quem era amigo, e lhe pediu para indicar um nome para coordenar seu novo plano.
OP - Não necessariamente um nome cearense?
Gonzaga – Não. O Simonsen disse, então: olha Virgílio, tem o Totó lá em Fortaleza que foi meu aluno no Rio, é professor da Universidade (Federal do Ceará) e é técnico do Banco do Nordeste. O Virgílio, então, perguntou: quem é o Totó? Simonsen explicou que eu trabalhava com o Nilson Holanda, no Banco do Nordeste.
OP - Qual cargo que o senhor ocuparia no governo Virgílio?
Gonzaga – Bom, conclui o plano em fevereiro, entreguei a ele, que recebeu, agradeceu, ‘muito obrigado doutorzinho’, vou ler e depois quero comentar com você. Em casa, disse à minha mulher que iria ligar para o doutor (Camilo) Calazans, que estava presidente do BNB, pedir férias até o mês de março, descansar um pouco e retornaria em abril. Até que um dia o telefone da minha casa tocou e era o coronel Virgílio Távora. Perguntou se eu poderia dar um pulo à casa dele, que ficava ali na rua Canuto de Aguiar. Cheguei lá, estávamos por volta de 13 de março, a posse seria dois dias depois, ai ele disse: ‘muito bem doutorzinho. O senhor fez o plano não fez?’ Respondi que sim, ao lado de técnicos de instituições, das universidades, do próprio governo. Ele disse, então, que eu iria aplicar o plano. Assim me tornei secretário de Planejamento.
OP – Uma história um pouco mais longa, agora. Como é que o senhor, que não era político, virou secretário, mas de uma área técnica, se transformaria, depois, em candidato a governador?
Gonzaga – Aconteceu um fato muito interessante: um grupo de deputados estaduais, formado por gente como Antônio Câmara, Everardo Silveira, Pinheiro Landim, Maria Dias, Otacílio Correia, Marcone Alencar, Ubiratan Aguiar, queria que eu fosse candidato a deputado federal. Desculpe a falta de modéstia, mas eu tinha sido um bom secretário de Estado. Peguei a corda e no dia 7 de fevereiro, de 1982, cheguei para o Virgílio e disse coronel, ou foi governador, dependia do humor dele, vou deixar a secretaria para me candidatar a deputado federal. Ele: ‘você vai ser candidato a deputado federal?’ Eu disse, vou. ‘Como?’ Ele perguntou. Tenho uns amigos ai que estão querendo me apoiar e decidi entrar. Deixei a secretaria, pedi demissão, entreguei o cargo a ele e passei o mês de fevereiro todo, a partir daquela conversa no dia 7, trabalhando. Era uma dificuldade danada, eu não via rendimento, não via nada. Não tinha estrutura nenhuma. Havia, na época, uma disputa muito grande dentro do PDS para o governo do Estado, entre o Adauto Bezerra e o Aécio de Borba, os dois fortíssimos e os dois se articulando pela indicação.
OP – O Aécio tinha o apoio de quem?
Gonzaga – Dos virgilistas. Também do pessoal ligado ao Manoel de Castro.
OP – Ele também era secretário na época, não era?
Gonzaga – Era o homem forte do governo, à frente da Secretaria de Governo, uma espécie de primeiro-ministro. Então, desisti de ser federal, vencido pelas dificuldades. Se não me falha a memória, no dia 24 de março, eu de férias, tinha ido à praia com a mulher e meu filho caçula, tinha umas barraquinhas ainda modestas, acho que nem a 31 de Março existia, ainda, tomei uma cervejinha, comi um peixinho tal, minha biquara assada, enfim, de férias mesmo. Voltei pra casa, almocei e fui dormir. Estou dormindo quando a empregada chega chamando, ‘doutor Luiz, doutor Luiz, o gabinete do Governador quer falar com o senhor’. Pensei comigo: vixe, rapaz, gabinete do Governador? O que é que houve? É o doutor Manoel, disse ela. O Manoel de Castro estava no Governo porque o Virgílio estava em Brasília e naquela época era assim, toda vez que o governador se ausentava exigia a passagem do cargo. Levantei, fui ao telefone e o capitão, ajudante de ordens dele, disse que era para esperar que o doutor Manoel queria falar comigo. Doutor Manoel, gente muito boa, bonachão, disse: ‘caba vei, bote a gravata, o paletó e venha pra cá, para o meu gabinete, porque tá cheio de jornalista. Tem mais jornalista do que gente e eu quero que você venha pra cá porque eles querem lhe ouvir. Você é candidato a governador’. Eu, surpreso: como é doutor Manoel? E ele: ‘faça o que eu tou dizendo. Até logo’. Baixei o telefone imaginando que era um trote, só podia ser. Ai, liguei de volta para o gabinete e o ajudante de ordens confirmou. Rapaz, quando entrei na sala, de fato, havia mais jornalista do que gente.
OP – Os jornalistas sabiam mais do que o senhor?
Gonzaga – Tudo. Eu não sabia de nada, realmente, quando cheguei e o doutor Manoel mandou logo eu sentar na cadeira de governador, na cabeceira da mesa. Eu sentei e ai foi TV, os gravadores na minha boca, mas os jornalistas eram meus amigos, jamais foram lá para me colocar numa fria. Agora, questionaram porque tinha sido eu o escolhido. E, enfim, respondi o que era possível responder. Depois fui pra casa e quando cheguei lá, coisa de 18 horas, 18 e 30, havia mais carro do que no enterro de Getúlio Vargas (risos). Era muita gente! Era a história do sol nascente, todo mundo querendo dar parabéns, Aconteceu assim, agora, como eu fui escolhido é uma coisa que vocês vão morrer de achar graça.
OP – Foi o famoso pacto dos coronéis, pacto de Brasília?
Gonzaga – Exatamente. O doutor Leitão de Abreu, que era o homem forte do governo (João Baptista) Figueiredo, é quem estava coordenando as sucessões estaduais.
OP – Deve ter sido um trabalhão fechar a equação em todos os estados.
Gonzaga – No Ceará, por exemplo, havia três PDS. Havia o PDS do Adauto, o do Virgílio e o do César. Eram três partidos, na verdade, e o doutor Leitão reuniu-se com os três. Nisso, ele tinha que representar o presidente Figueiredo no sepultamento de um jurista, um desembargador famoso, lá no Rio Grande do Sul, de onde ele era. Por isso, tinha que sair do Palácio do Planalto, no máximo, às duas horas da tarde para que às cinco pudesse participar lá do sepultamento. E a reunião começou, segundo me relatou o ajudante de ordens do Virgílio, que depois seria meu ajudante de ordens, o doutor Leitão de Abreu perguntou ao Virgílio quem era o candidato dele. ‘É o doutor Aécio de Borba’; Adauto, quem é seu candidato? ‘Sou eu’. César, quem é seu candidato? César era o menos fortalecido no processo, dos três, e informou que o nome de sua preferência era Wilson Gonçalves, que era senador dele, foi vice-governador etc. A essa altura, já uma e meia da tarde, o doutor Leitão olhava para o relógio, se não embarcasse até duas horas perderia o discurso lá no Rio Grande, a assessoria já pressionando, ai, lá pelas tantas, ele vira para o Virgílio e pergunta: você não tem outra alternativa? Ai o Virgilio, ‘tenho’ (risos). O doutor Leitão perguntou quem seria e ele disse que era o seu secretário de Planejamento, que foi aluno do Simonsen. ‘Doutor Gonzaga Mota’. O doutor Leitão, muito vivo, perguntou ao Adauto se ele teria alguma coisa contra o Gonzaga. ‘Não’, disse Adauto. Perguntou a mesma coisa ao César e a resposta também foi não. Então, disse o doutor Leitão, dirigindo-se ao Adauto e ao César, ‘você indica o vice e você o prefeito de Fortaleza. Até logo, vou embora’. E seguiu para o enterro.
OP – E quanto à parte do acordo que teria dividido o governo em partes iguais para os três coroneis?
Gonzaga – Se houve este tal acordo onde menos funcionou foi no meu governo. É uma injustiça que se faz ao Virgílio, ao Adauto e ao César, porque a maioria dos secretários quem nomeou fui eu. De cara, só pra lhe dizer, escolhi os secretários de Fazenda, Planejamento e Segurança Pública, além do comandante da Polícia Militar. Botei o Firmo (de Castro), botei o Osmundo (Rebouças), o Feliciano (de Carvalho) e o Luna na PM. Fiz mais, inclusive, porque naquela época o normal era trazer um nome do Exército para comandar a Polícia e eu coloquei um oficial da própria PM, entendeu? Fui muito aplaudido pelos militares da corporação por isso.
OP – Não existiam cotas para serem preenchidas com nomes a eles ligados politicamente?
Gonzaga – O Adauto perguntava o que eu achava do Ernando Uchôa Lima, que está ai, ex-presidente nacional da OAB. Qual é o governador que tem a honra de ter um ex-secretário que presidiu nacionalmente a OAB? E assim foi. O Virgílio consultou sobre o nome do Ubiratan Aguiar na Educação e eu disse que claro. Ubiratan era um professor, um estudioso, entendeu? Faço uma aposta, se você pegar da redemocratização pra cá, mas a redemocratização antiga, do Dutra pra cá, não houve um governador do Ceará com mais liberdade do que eu para formar sua equipe.
OP – Havia dúvidas sobre a vitória na campanha do senhor?
Gonzaga – Eu lutei muito, lutei muito. A briga interna, até a escolha do nome, deixou sequelas. Agora o problema não era comigo, era com o Virgílio. Não o Adauto, mas as bases dele, fui líder e tive base, e a verdade é que somos muito pressionados. Então, quando o Adauto não foi candidato, ficando com a vice, a base dele reagiu. Pôxa!! O Adauto ia para as reuniões, pedia, dizia que o candidato dele para o Senado era o Virgílio, ouvi isso várias vezes. A gente não fazia comício, com medo de que houvesse até morte.
OP – O rompimento com os coroneis, em que contexto se deu?
Gonzaga – Na verdade, nunca houve um rompimento. O que houve foi um desentendimento determinado por problemas nacionais, não de questões locais.
OP – O Virgílio em algum momento manifestou mágoa com o que aconteceu?
Gonzaga – Pra mim não. Inclusive, poucos dias antes dele falecer nós nos falamos ao telefone. Tem muita lenda, mas o que estou relatando é a mais pura verdade.
OP – E a escolha de Tasso Jereissati para disputar sua sucessão?
Gonzaga – Foi muito simples o lançamento da candidatura dele. Apesar de, na verdade, nem o CIC querer, inicialmente, o Tasso como candidato.
OP – Mas, como é que o senhor chegou nele?
Gonzaga – Monocraticamente. O CIC queria a candidatura de outro associado, o Beni Veras, e o Tasso foi um nome escolhido por Gonzaga Mota. Gosto muito do Beni, mas eu queria ganhar a eleição. Qual o governador que não quer fazer o sucessor? Enfim, foi uma decisão monocrática, minha. Chamei o Tasso e disse que iria lançá-lo candidato ao governo do Estado. Ele questionou por que não lançava o Beni. Daí você vê, então, que o Beni era o nome que o CIC já definira.
OP – O próprio Tasso diz que no começo achava que não ia ganhar. E o senhor?
Gonzaga – Quando lancei o Tasso foi com a certeza de que ganharia. Chamei o Tasso e disse que seria ele o candidato e que eu só ouviria duas pessoas para obter a concordância. Um era o chanceler Airton Queiroz e o outro o diretor do Incor na época, doutor Fúlvio Pileggi, o médico dele no Brasil. O Airton era porque eu precisava do aval da família e, devo dizer, tanto ele quanto o doutor Pileggi foram muito corretos.
OP – Com o Beni havia o risco de derrota?
Gonzaga – Pelas minhas pesquisas empíricas, sim. O Tasso tinha estrutura, era novidade, tinha se saído bem no meio empresarial, dispunha de liderança lá em São Paulo. O que acho é que ele foi correto, ao questionar-me em relação ao Beni, e o Airton também foi correto ao dizer que se fosse por ele o Tasso não seria candidato, mas garantindo que se a decisão dele fosse por disputar teria todo seu apoio. Ouvir a família era importante, por que já pensou se eu lanço o Tasso candidato e ele, recém-operado do coração, morre? Já pensou como eu ficaria perante a família? A comunidade? A família vai assumir comigo esse risco.
E o médico.
OP – O Tasso eleito governador também haveria rompimento..
Gonzaga – Eu nunca rompi.
OP – A história que ele nos contou uma vez confirma que não houve um rompimento formal, mas que o desencontro deveu-se ao fato de deputados ligados ao senhor chegarem, um dia, já com uma divisão de cargos feita. O grupo já chegou para conversa com tudo definido: Cagece é de fulano etc etc. E que ele já mandou aquele pessoal de lá para a oposição.
Gonzaga – Nunca houve nada assim, entre mim e o Tasso, particularmente. O problema, acho, foi com alguns áulicos do Tasso, certamente com receio, não alimentado por mim, de que eu viesse a me transformar no grande líder do Ceará. Por quê? Adauto derrotado; César Cals derrotado para o Senado; Virgílio derrotado. O Tasso, diretamente, nunca recebi dele qualquer atitude brusca, tanto é verdade que ele me chamou depois para ser do PSDB.
OP – Quanto à situação em que Tasso recebeu o Estado, o quadro econômico era tão ruim quanto ele disse? Falava-se, por exemplo, em seis meses de salários atrasados.
Gonzaga – Fui vítima, no período em que deixei o governo, de calúnias, de injúrias, até em assassinato tentaram envolver o meu nome. Houve um determinado homicídio aqui em Fortaleza e apontaram pessoas ligadas a mim como responsáveis por ele. E pessoas, áulicas, levaram aos jornais, à imprensa que eu tinha sido um dos elementos que mandou fazer aquele ato criminoso, aquela barbaridade. Foi uma coisa tão grosseira que o ex-secretário de Segurança, doutor Feliciano de Carvalho, foi à televisão me defender. Mas, até nisso tentaram me envolver. Agora, o mais interessante de tudo é que as pessoas ligadas a mim que se tentou acusar de envolvimento com o crime, gente de quem gosto até hoje, passaram para o governo. Foram aceitas.
OP – O argumento do Tasso era que recebeu o governo com seis meses de salários atrasados, o Estado devendo tudo, caixa desmilinguido, muito funcionário sem trabalhar, folha de pessoal inchada...
Gonzaga – Muito exagero dele. Houve, realmente, uma crise financeira, crise motivada pela retaliação que sofri para redemocratizar esse País. É bom que a juventude saiba disso. Além da discriminação, foram dois anos de seca e dois de enchentes. "
Guálter George
gualter@opovo.com.br
Érico Firmo
ericofirmo@opovo.com.br
FONTE: JORNAL O POVO
http://www.opovo.com.br/app/opovo/paginasazuis/2011/02/28/noticiapaginasazuisjornal,2107889/as-memorias-de-toto.shtml