SOU DO CEARÁ


"Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome , pergunto o que há ?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará."

Patativa do Assaré

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

LITERATURA CEARENSE: GISELDA MEDEIROS

" Giselda Medeiros: marcas de um lirismo "

FOTO: DIVULGAÇÃO

" Giselda Medeiros é uma das vozes mais atuantes da literatura cearense, em se tratando da estética atual, dedicando-se, além da poesia, ao cultivo do conto e da crítica literária. Integra a Academia Cearense de Letras."



" Em Ânfora de Sol a poetisa Giselda Medeiros não só confirma a legitimidade artística de sua poesia, já alcançada em livros como Alma Liberta (1986), Transparências (1989), Cantos Circunstanciais (1996) e Tempo das Esperas (2000), mas aprimora seus dotes de criadora e aprofunda sua mensagem

Isso ocorre apesar de, no presente livro, a autora desenvolver quase um só sentimento, o da solidão postulante ou da ansiosa disponibilidade para um ser amado sempre esperado e que, embora lhe alimentando a paixão, foge e refoge constantemente.

Inclinando-se para a elegia, a poesia de Giselda Medeiros segue a linha do sofrimento amoroso de uma Florbela Espanca e lembra em alguns aspectos a suavidade do poetar de uma Cecília Meireles, mas sempre mostrando a necessária criatividade, portando uma imagística criativa e impregnando-se de uma sensualidade entre contida e instigante. Encontra-se nessa poesia a construção de um "claro enigma", em que o hermético não se instaura, pois a autora acena com pistas clarificadoras de um sentido subjetivo. A dor causada por adversidades opõe-se, entre os versos, ao prazer amoroso, sempre implícito, pois esse apenas se vislumbra como desejo tormentosamente irrealizado.

Léxicos recorrentes

A linguagem dos poemas apresenta-se, em geral, verdadeiramente poética, deixando transparecer um eu lírico amadurecido no domínio artístico e na experiência existencial. Na construção dos versos encontra-se aquela riqueza conotativa que Paul Valéry classifica como "festa do intelecto", mas de modo que a consciência apolínea do fazer artístico não elimina a força da intuição nem anula a possibilidade de detectar-se, aqui e ali, a presença do onírico e do simbólico em camadas mais profundas da escritura esporadicamente tuteladas pelo dionisíaco. Disso tudo se apura uma visão do mundo formadora de um estilo, cujas palavras recorrentes seriam as seguintes: "medo", "silêncio", "azul", "paisagem", "espelho", "espinho" e "miragem". Esses Leitmotive revelam, respectivamente, contenção, distância inacessível, contemplação do ambiente, reflexão sobre si mesma, dor moral e desejo ilusório.

A disponibilidade amorosa do livro encontra-se a partir do título Ânfora de Sol, sintagma altamente expressivo, espalha-se por muitos textos, fixando-se de modo mais significativo em pontos como na última estrofe de "Instabilidade", em que a poetisa sente-se: (Texto I)

Ocorre no poema "Deixarei que me busques", em que o amado é esperado "como um cão a farejar-me / o exercício dos dedos / ardendo em círios de desejos"; no soneto "Doação", em que a autora, em seu "crisol", deseja "aprisionar-te o gesto de carinho / com que te vi olhar o passarinho / a voejar por sobre o girassol"; e na composição "Deuses do som", em que, sob um clamor à Cecília Meireles, escreve: "Apressa-te, pois, amor, / que amanhã já é inverno". Esse último poema citado termina com a pretensão poética de, por sentirem-se endeusados, os amantes atingirem a singularidade no amor: "seremos deuses do sonho / que os homens tolos da terra / vivem doidamente a imitar."

Não admira que, revelando-se Giselda Medeiros uma poetisa com domínio pleno da técnica da arte poética, apresente em sua poesia uma abundância de conotações e de alusões mitológicas e de textos metapoemáticos, tudo dentro de uma coerência de dicção e sentimentos atuais. Assim é que "Madrugadas e Crepúsculos", parecendo a leitura de quadros representativos dessas situações da Natureza, constitui uma sucessão de apóstrofes prosopopéicas: (Texto II)

E vários poemas são alegorias como : "História", "Nuvem de Sândalo", "Horas Líquidas", "Cântico Outonal" e "Motivo III". Como metapoemas, textos que mais precisamente mostram consciência do fazer poético, contam-se "Conteúdo e Continente", "Canção Extraviada" e "Canção Póstuma", além de vários textos da parte denominada "Lições de Solidão", que trazem o subtítulo de "Motivos"."


LINHARES FILHO

COLABORADOR*
* Poeta e crítico literário. Da Academia Cearense de Letras


Trechos

TEXTO I

O porto, a chegada final,
que espera em vão
o assentamento da âncora
dos teus andarilhos passos


TEXTO II

Levantai-vos, Madrugadas,
descei com vossos mistérios,
com vossos olhos de aljôfar,
com vossas mãos de alvoradas!
Dizei-nos, vinde, Formosas,
baixinho, aos nossos ouvidos,
quem vos esculpiu o talhe,
quem vos deu o odor das rosas...
Descei, sonâmbulas Musas,
com vossas liras de sonho,
e povoai o universo
com vossas cores difusas...
Não temais o azul do laço
posto nos cabelos cinzas...
É preciso, é imperioso
matizar vosso regaço!
Não temais, que a mão dourada
de fina e exímia artista,
num gesto muito sutil,
vos pincelou de palavras...
Para que, junto com as Musas,
prossigais pelos caminhos,
em tropel, se revezando:
Madrugadas e Crepúsculos!

O legado poético da escritura de Giselda Medeiros

A poesia é mistério, solidão e descoberta. Presente em qualquer aurora, ela nos arrebata, prende, fascina. Conosco voa, plana, ou esconde-se.

Nos cantos mais sutis das nossas almas, ou até mesmo numa porta fatigada de esperas. Estampa-se no sorriso do vento, na insensatez do tempo ou nos confins dos nossos braços cheios de abraços.

Assim, envolta na túnica do sonho, testemunha da saudade, da dor ou do recolhimento, Giselda Medeiros lega à sua imensa legião de leitores, essa obra de singular beleza, onde tudo converge ao essencial. Incrustada numa ânfora morna de sol; pronta aos nossos olhos ávidos de sabê-la.

Afirma Voltaire que o esplendor da relva só pode mesmo ser percebido pelo poeta. Os outros pisam nela. Pelo prisma de sua farta imaginação poética, a escritora intui a filigrana da metáfora, transformando o que poder-se-ia tomar como lugar comum, numa cortina aberta às conjecturas, certezas, solidões, esperanças, silêncios e caminhos. Esses, por vezes tortuosos, inalcançáveis, vazios...

"Há muito estou aqui / no meio deste tempo sem história / cansa-me procurar a saída / nesses vales úmidos de espanto". Ante a indefinição, o medo, o inconcluso, só resta à poeta adormecer.

Para quem sabe, achar uma saída... E, nessa sublimação, exclama: "Adormecer, adormecer - é o que me resta, / para sonhar com tuas mãos se abrindo em flores".

No poema visões a simbiose da escritora com o eu lírico forma-se em movimentos alternados de aproximação e distância. Isso Giselda mostra num percurso solitário e indiviso, compondo em miragens uma fragilidade infinda: "Há pássaros engaiolados em teus olhos / nos meus há liberdade de nuvens em travessia". Já em nuvem de sândalo a poeta canta o canto inaugural das tardes, prometendo ao amado seu cálido perfume de mulher. Aqui, o erotismo é sutil; posto sabermos que sua poesia jamais tombará sob o peso do grotesco.

Há beleza em tudo que se move; Ânfora de Sol é beleza em movimento Giselda Medeiros é multifacetada em versos. E sua poesia é indissociável do canto, da dança, da cor e do lamento.

Ânfora de Sol é tudo isso. A reflexão existencial sobre o amor e seus contornos. A memória percorrendo lenta as sendas do impreciso. Ou a explosão da luz totalizando os êxtases!Giselda Medeiros seguirá, certamente, o seu caminho; encantada e conclusiva sobre a pujança de se saber poeta. Nós, seus leitores, inclinamo-nos reverentes ao seu verso. "


NEIDE AZEVEDO*
COLABORADORA

*Poetisa


FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=910694

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