LUTO. POETA ANDARILHO
A Última parada de Mário
" Uma das figuras mais emblemáticas de Fortaleza, o poeta Mário Gomes foi enterrado ontem no cemitério da Parangaba. Na cerimônia, foram lembrados causos e feitas homenagens "
" Na tarde de ontem, às 16 horas,
familiares, amigos e admiradores do poeta Mário Gomes, 67 anos, se
despediram do artista que vivia sua poesia nas ruas. O enterro,
realizado no cemitério da Parangaba, reuniu cerca de 30 pessoas que
conheceram os versos, as dores e a figura de voz empostada que circulava
havia décadas entre refúgios de sua memória afetiva no Centro de
Fortaleza.
Mário Gomes foi enterrado ao lado de Francisca Coelho Gomes, a dona Nenzinha, sua mãe, com quem viveu até 2008, ano de morte da ex-costureira. De lá para cá, o principal amparo do artista foram os amigos e as ruas, entre as quais flanava, conversava, bebia, fumava e, por vezes, sofria com o preconceito do público que não o conhecia.
No início da vida adulta, Mário se aposentou por invalidez após controversas internações psiquiátricas, nas quais, entre outras coisas, foi submetido a tratamento de choque. Para José Evilásio Gomes, irmão de Mário, o poeta era, no fundo, um rebelde. “Se a gente tivesse descoberto essa anemia e tentasse dar remédio, ele ia dizer que não queria”, disse. De acordo com ele, o irmão costumava dizer que não precisava de medicamentos - nem para o corpo, nem para a alma. “Ele era muito teimoso. Não queria remédio nem hospital.” E lembrou a vez em que Mário viajou para o Rio de Janeiro (RJ) porque queria trocar uma palavra com outro poeta: Vinícius de Moraes.
Os últimos momentos de Mário Gomes, passados dentro do IJF, foram acompanhados pelo artista visual Tota.
O amigo conta que, poucas horas antes da morte, o poeta o chamou e disse que queria passar o Réveillon no Dragão do Mar. Após o desejo, porém, veio o desabafo final. “A carcaça está toda acabada: dói tudo. Tô até com vontade de dispensar a carcaça”, versou o poeta. Tota tratou de confortá-lo: “Vai ficar tudo bem”.
Desamparo
Mário Gomes foi um misto de herói de resistência e vítima de descaso. Poeta de rua, vivia no limiar entre loucura e sanidade, sobriedade e ebriedade. Pelas mãos dos amigos, publicou oito livros de poesia. Foi premiado por seus versos antropofágicos e obscenos. Ao optar por uma vida de errância, porém, Mário acabou vítima da situação de rua, o que foi exposto após os dois dias desacordado antes da internação.
O artista Cláudio Silva, o Curu, ressalta que Mário Gomes podia viver na rua, mas nunca foi pedinte. “Ele nunca pediu nada – só aceitava o que ofereciam”, explica. Para Curu, Fortaleza devia ter dado muito mais a quem viveu cotidianamente suas ruas. “A gente devia ter ajudado, mas era até da filosofia dele isso de não se envolver. Ele costumava dizer que preferia não trabalhar, que era para não atrapalhar ninguém”, lembra o amigo."
_____________________________________________________
"O que ele tinha era vocês", diz parente de Mário Gomes
" Antes do enterro, Mário Gomes teve a vida lembrada tanto no velório, realizado às 12 horas na Biblioteca Municipal Dolor Barreira, na avenida da Universidade, quanto em cortejo que passou por alguns pontos cuja presença marcou. No Dragão do Mar, por exemplo, um pequeno grupo celebrou a memória de Mário com uma salva de palmas. Na Praça do Ferreira, no entanto, os aplausos vieram acompanhados de uma espontânea homenagem dos moradores de rua que vivem no local, um dos pontos de pouso do poeta.
Entoando “Viva Mário Gomes!”, os viventes da praça se emocionaram e engrossaram o cortejo de despedida de um dos personagens mais marcantes da história do Centro de Fortaleza. O logradouro, inclusive, foi um dos assuntos mais discutidos durante o enterro de Mário Gomes.
De acordo com o artista visual Tota, amigo de Mário, o plano é conseguir pelo menos a instalação de uma placa em homenagem ao poeta na Praça do Ferreira. Já Auriberto Vidal Cavalcante, poeta, jornalista e coordenador do grupo Chocalho, sugeriu que fosse programada uma grande homenagem ao poeta no próximo 14 de março, dia nacional da poesia.
Na mesma medida em que Mário Gomes se incrustou no imaginário de Fortaleza, alguns pormenores ajudam a formar a imagem do poeta. O terno, que ajudava a esconder a fragilidade física do homem que tanto viveu em seus 67 anos, estava presente na despedida. Fumante inveterado, Mário vai poder levar também um charuto para o outro mundo. Por iniciativa de um dos presentes, o fumo foi enterrado junto ao poeta no mausoléu da família Gomes, no Cemitério da Parangaba.
Tota fez questão ainda de levar um par de sapatos sobre os quais Mário adorava reclamar. “Vou finalmente poder jogar no mato”, revelou o artista visual, cumprindo um desejo secreto do poeta.
Ao final do enterro, na tarde de ontem, Nanci, irmã do poeta, e Braga, cunhado, agradeceram a todos, dizendo que, sem a ajuda dos amigos de Mário, seria impossível realizar essa homenagem. “Ele não tinha documentos, não tinha nada - o que tinha era vocês”, agradeceu o cunhado.
(André Bloc)"
Multimídia
Leia perfil de Mário Gomes publicado no O POVO: bit.ly/1tuV8j3
FONTE: JORNAL O POVO
http://www.opovo.com.br/app/opovo/vidaearte/2015/01/02/noticiasjornalvidaearte,3370694/a-ultima-parada-de-mario.shtml
Nenhum comentário:
Postar um comentário