Bonecos sob os holofotes
" Iphan oficializa hoje em Fortaleza título de patrimônio cultural ao Teatro de Bonecos Popular do Nordeste "
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Iracema Sales - Repórter " No Ceará, a tradição de manusear bonecos nos cantos das salas ou dos alpendres das casas sertanejas ganha a denominação de Cassimiro Coco, conta a pesquisadora e presidente da Associação Brasileira de Teatro de Bonecos (ABTB) Ângela Escudeiro. Segundo ela, o ofício chega ao Brasil pelas mãos dos jesuítas e dos escravos.
As senzalas, muitas vezes, serviam de palco onde os escravos reproduziam cenas criticando os poderosos. A atitude foi reproduzida, mais tarde, por atores ambulantes que desbravavam o sertão informando, educando, divertindo e politizando o povo, com uma pitada de irreverência.
Um dos mais importantes mestres que se destacou na arte de "botar boneco" no Estado, Pedro Boca Rica (1936-1991), natural de Ocara, tornou-se referência para as novas gerações de "bonequeiros" cearenses.
Confeccionados em madeira e tecido, os bonecos de aparência rústica, durante muito tempo, cumpriram importante função social. Mediante trabalho de atores autodidatas, na base do improviso, personagens como "Cassimiro Coco" e "Catarina" ganhavam vida. Os bonecos rústicos incorporavam situações de vida semelhantes às dos espectadores.
A irreverência e a alegria são traços comuns dos personagens, atesta Ângela Escudeiro, coordenadora de pesquisa que fundamentou a certificação do Teatro de Bonecos Popular do Nordeste (TBPN) como patrimônio cultural brasileiro.
Certificação
A atriz, uma das responsáveis pela vitalidade do Cassimiro Coco, festeja o registro da manifestação artística, cuja solenidade para marcar a certificação, conferida pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), em março deste ano, acontece hoje, a partir das 16h, na Praça Verde do Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura (CDMAC).
O reconhecimento é fruto de luta iniciada em 2004, e que não acaba agora. O próximo passo é garantir mecanismos para a salvaguarda do bem. Participaram da pesquisa os estados Ceará, Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Distrito Federal, devido à migração de nordestinos àquela cidade.
Conforme Igor Soares, historiador do Iphan, o processo que assegura a certificação do Teatro de Bonecos Popular do Nordeste durou quase uma década.
O pesquisador atenta que o próximo passo tem como foco a salvaguarda do bem, que consiste em discutir com o governo e as prefeituras um plano para preservar a tradição, que tem como berço o Nordeste brasileiro. A irreverência é o principal ingrediente da linguagem que ganha denominações diferentes nos demais estados que integram a pesquisa. Na Paraíba, "Babau"; em Pernambuco, "Mamulengo"; e no Rio Grande do Norte, recebe o nome de "João Redondo".
Memória
O tempo passou e a tradição de manipular bonecos acompanhou a história, sendo revisitada pelos novos artistas - que, baseados em noções de teatro, transformaram as apresentações, mas sem perder a essência.
Para garantir vida longa à arte, em 2004 a ABTB solicitou o registro da manifestação artística, realizando pesquisa tanto nas capitais quanto no interior dos estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte, Paraíba e Distrito Federal. O estudo, que incluiu pesquisa de campo e documental, foi realizado entre 2008 e 2013.
A pesquisadora, autora do livro "Cassimiro Coco de cada dia - botando boneco no Ceará", conta que começou com recursos próprios, ganhando depois adesão da ABTB. Era necessário fazer um inventário nos quatro estados, justificando que todos os detalhes eram importantes.
Ângela Escudeiro esclarece que a certificação é para a manifestação em si, atentando para não confundir com um reconhecimento aos mestres. "Mas os mestres foram pesquisados também", completa.
O trabalho de preservação da memória continua com o processo de salvaguarda, sendo a primeira atividade a instituição de um edital para premiar os mestres locais, alguns in memoriam, como por exemplo o mestre Pedro Boca Rica. O edital foi lançado e a comissão fez uma análise parcial, afirmando que, dos cinco de mestres cearenses inscritos, quatro foram aprovados.
A salvaguarda garante a continuidade da manifestação, dando a possibilidade de ser trabalhada em escolas.
"Não basta só reconhecer como patrimônio, é preciso dar suporte para ser compartilhado, sobreviver e reaparecer na arte", alerta a atriz. Durante 10 anos, o Iphan acompanhará os trabalhos, argumenta.
Tradição
Manifestação artística baseada na tradição passada de pai para filho, cuja principal característica é a irreverência, o Teatro de Bonecos Popular do Nordeste tem particularidades próprias. Entre as principais estão o acompanhamento musical e a prática da improvisação - além da simplicidade na manipulação dos bonecos, que não têm entrada ou saída marcadas.
As histórias retratam o cotidiano, podendo enveredar para os campos político ou do humor, mas sem perder de vista a crítica social.
"Muitas histórias tornaram-se clássicas", destaca Ângela Escudeiro, afirmando que os mestres bonequeiros populares não seguem técnicas de manipulação. No caso do Cassimiro Coco, como é conhecido no Ceará, a dança, em especial o forró, faz parte do imaginário das histórias, assim como a sensualidade.
Em cada estado nordestino, o teatro de bonecos popular apresenta particularidades. No Estado, a manifestação criou escola, tendo como principais representantes Augusto Bonequeiro, Graças Freitas, Omar Rocha, entre outros.
Os artistas beberam na fonte do mestre Pedro Boca Rica, como a própria Ângela Escudeiro, que diz não ter nascido no sertão e ter formação superior. "Os bonecos são mais elaborados, usam som mecânico, microfone e dramaturgia".
Mais informações:
Solenidade de titulação do Teatro de Bonecos Popular no Nordeste como patrimônio Cultural Brasileiro e apresentações. Hoje, das 16 às 22h, na Praça Verde do Dragão do Mar (R. Dragão do Mar, 81, Praia de Iracema). Fone: (85) 3488.8600
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE
http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/caderno-3/bonecos-sob-os-holofotes-1.1448087
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