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ENSAIO
POR AÍLA SAMPAIO
Cultura - Caderno de 14/11/2010
Rachel de Queiroz
" Diversos momentos de Rachel de Queiroz no percurso de sua construção "
14/11/2010
" Na véspera do aniversário de 100 anos de nascimento de Rachel de Queiroz, não se pode deixar de falar dela, de sua terra, de suas obras. Nesta edição, fazemos um percurso por sua produção literária, concentrando-nos, sobretudo, em seus romances, nos quais, a partir de perfis de mulheres, em diferentes papéis, realiza um quadro preciso da realidade de nosso povo
A menina que nasceu em Fortaleza, no dia 17 de novembro de 1910, começou a escrever muito cedo, certamente influenciada pelas muitas leituras que fazia na biblioteca de seu pai. À frente do seu tempo, driblou o preconceito contra as mulheres e, reservada sob o pseudônimo de Rita de Queluz, começou a publicar no Jornal "O Ceará", em 1927. Primeiramente, enviou uma carta ironizando o concurso "Rainha dos Estudantes", promovido pelo jornal. O diretor do veículo, Júlio Ibiapina, amigo de seu pai, surpreendeu-se com o sucesso da carta e a convidou para ser colaboradora. Entre outros textos, ela publicou o folhetim "História de um nome" - sobre as várias encarnações ´de uma tal Rachel´ e organizou a página de literatura do jornal, o que lhe deu experiência e a fez respeitada num mundinho dominado pelos homens.
Os primeiros passos
Depois de morar no Rio de Janeiro e em Belém do Pará, voltou com a família para Quixadá, onde exercitou suas leituras e plantou suas raízes. Formou-se professora aos 15 anos. Antes de completar os 20, convalescendo de uma congestão pulmonar na fazenda Não me deixes, ela escreveu o romance O Quinze, cujo título já explicita que o enredo remete a acontecimentos do ano 15 do século XX, quando o nordeste viveu uma avassaladora seca. Filha de fazendeiros, ela, criança, assistiu à procissão de retirantes passar à sua porta; viu-os esquálidos, famintos, mendigando comida, e guardou-os no arquivo da memória para transformá-los, depois, em seres de papel.
A estreia
Lançando-se no cenário nacional em 1930, em plena efusão do romance moderno nordestino, ela encontrou espaço e fixou seu nome no regionalismo brasileiro, colocando-se ao lado de José Américo de Almeida e Graciliano Ramos, seus contemporâneos e autores de romances igualmente emblemáticos sobre a seca: A Bagaceira e Vidas Secas.
Após o fim do seu primeiro casamento e a perda de sua única filha, seguiu para o Rio de Janeiro, onde se casou pela segunda vez e desempenhou atividades como jornalista, romancista, tradutora, cronista e teatróloga. Em 1977, foi a primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras. Fixou residência fora do Ceará, mas nunca esqueceu sua terra, eternizada nos enredos de suas obras ficcionais.
O caminho
Após o livro de estreia, publicou, em 1932, o romance João Miguel, a que se seguiram: Caminho de pedras (1937), As três Marias (1939), O galo de ouro (1950) e Memorial de Maria Moura (1992). Escreveu também as peças de teatro Lampião (1953), e A beata Maria do Egito (1958); os volumes de crônicas A donzela e a moura torta (1948), Cem crônicas escolhidas (1958), O caçador de Tatu (1967) e Mapinguari (1964-1976); e os livros infantis O menino mágico (1969), Cafute Pena-de-Prata (1986) e Andira (1992). No dia 4 de novembro de 2003, enquanto dormia em sua rede, no seu apartamento carioca, deixou a vida. Esse símbolo de sua nordestinidade a acompanhou até o fim, pois, a pedido seu, o féretro que conduziu seu corpo foi forrado com uma rede, não dando, pois, por encerrado, seu amor às suas raízes.
Duas narrativas
As três Marias, romance de formação, focaliza, inicialmente, a vida de três moças num internato feminino de orientação católica: Maria Augusta, Maria José e Maria da Glória. É Maria Augusta (Guta) quem narra a história, os dramas e medos de cada uma. Fora do colégio, ela vive a adaptação ao mundo exterior, não se acostuma à vida e em casa, com a madrasta metódica, e se lança às duras experiências que a levam à maturidade como pessoa e como mulher. Afloram questões sociais e evidencia-se a análise psicológica dos personagens. Maria Augusta (Guta) representa a inquietação da mulher em busca de seu espaço, de sua identidade. Enquanto Maria da Glória se dedica à família e Maria José se volta para a religião, ela se lança na vida, e, após relacionamentos amorosos mal sucedidos e um aborto, continua seu destino num processo sofrido de ajustamento ao mundo.
Uma singularidade
O galo de ouro foi publicado em folhetins na revista O Cruzeiro, em 1950, e editado como romance no ano de 1985. A ação, ambientada na Ilha do Governador, é diversa das dos demais: em todos os quarenta capítulos, convive-se com o submundo carioca de terreiros de macumba, mães de santo, bicheiros e policiais, o que, afinal, traça uma realidade tão áspera como a que se sedimenta no sagrado chão nordestino.
Fique por dentro
Um breve retrato
O Quinze, publicado em 1930, tem no enredo a paisagem social e humana de um nordeste massacrado pela seca. O drama de retirantes como Chico Bento, Cordulina e filhos é o foco principal, mas outras questões submergem, como a situação da mulher na sociedade do início do século XIX. Conceição rompe com o modelo estabelecido para o sexo feminino, quando renuncia, a despeito do contexto adverso de sua época, ao destino de toda mulher sua contemporânea: o casamento e a maternidade. O enredo, considerado por Bosi (1997, p.447) como neorrealista, é estruturado em dois planos: o drama do vaqueiro Chico Bento e sua família retirante; e a relação afetiva de Conceição, professora, de família tradicional."
AÍLA SAMPAIO
COLABORADORA*
* Professora da Unifor
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=883950
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