"Capital sem referência ao passado"
" Em contraponto ao emaranhado de arranha-céus que formam o cenário de Fortaleza, imóveis antigos - e cada vez mais raros - rememoram os tempos áureos. Porém, sem que haja uma política de preservação desses bens, a cidade vai ficando sem referência arquitetônica do passado. O novo e o antigo se contrapõem. Enquanto alguns prédios históricos permanecem preservados, maior parte deles ocupados por órgãos dos governos municipal e estadual, outros seguem esquecidos no tempo, em avançado estado de degradação.
O prédio da Sefaz, no Centro, é exemplo de patrimônio histórico preservado
Fotos: Kid Júnior
É o caso da Casa do Português, na Avenida João Pessoa. Apesar do bem ter sido tombado pelo Município em dezembro do ano passado, segue abandonado, sem perspectiva de recuperação. Roupas penduradas e até carros estacionados dão sinal de ocupação irregular no imóvel. No Centro, a Casa do Barão de Camocim, uma das obras arquitetônicas mais antigas da cidade - construída em 1870 -, ostenta imponente beleza. Um vigilante da Prefeitura cuida para evitar ocupações irregulares no local. O prédio também foi tombado pelo Município em dezembro de 2012, mas segue em total estado de abandono.
No Centro, a Casa do Barão de Camocim, construída em 1870, é um dos raros exemplares do século XIX que resistem. Um vigilante da Prefeitura cuida para evitar ocupações irregulares. O local segue em total estado de abandonoExemplo positivo de equipamento histórico preservado é a Vila das Artes, no Centro. O casarão, de 1954, foi requalificado à luz de seu desenho original. Construído na segunda metade do século XIX, o Sobrado Dr. José Lourenço, na Rua Major Facundo, é outro exemplo positivo de bem recuperado e preservado. O mesmo acontece com o prédio que hoje é sede da Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz), na Praia de Iracema.
O estudante Juliano Ramalho, 39, nascido e criado no Centro, conta que viu muitas casas serem derrubadas para virar estacionamento. Teve também o comércio, que foi expulsando as famílias para outros bairros. Ele diz que gostaria que os prédios históricos da cidade fossem preservados. "O cearense não tem a cultura de conservar o seu patrimônio. Prova disso são os prédios restaurados pelo poder público, que a própria população degrada", lamenta.
A Casa do Português, na Avenida João Pessoa, foi tombada pelo Município em dezembro do ano passado, mas segue abandonada e não tem perspectiva de recuperação. Lá, há roupas penduradas e até carros estacionados
Preservação
Considerando os equipamentos arquitetônicos, Fortaleza é uma cidade com pouco mais de 100 anos, apesar de ter completado 287 anos. É o que observa o jornalista e pesquisador Miguel Ângelo de Azevedo, o Nirez. Ele comenta que praticamente tudo que a cidade tinha do século XVIII e XIX foi destruído.
"Fortaleza é uma cidade do século XX. Do ponto de vista arquitetônico, nós ficamos sem referência, a partir do momento em que aniquilamos uma época", observa. Mesmo com processo iniciado de tombamento municipal, a Chácara Flora, que se situava na Rua Marechal Deodoro, bairro Benfica, foi demolida em dezembro de 2011. O fato deixa claro o descaso com o qual Fortaleza trata o antigo.
Nirez ressalta que aquela era a última chácara de Fortaleza. Para ele, faltam conscientização da população e políticas públicas que visem preservar bens históricos, que representam a história da cidade. "Quando você vai construir uma casa, faz primeiro o alicerce. O passado é o nosso alicerce (da cidade)".
Leia amanhã: O desafio de construir sem destruir
LUANA LIMA
REPÓRTER
OPINIÃO DO ESPECIALISTA
Fortaleza avessa à história e à memória
Fortaleza precisa fazer as pazes com o seu patrimônio ambiental. Sua fama de cidade avessa à memória e à natureza ganha terreno em escala mundial, na contramão das outras metrópoles nacionais e internacionais, estas às voltas com ambiciosos programas de recuperação e manutenção do seu meio ambiente.
A preservação dos acervos de natureza e cultura nas cidades, de forma integrada ao planejamento urbano e ao urbanismo, afigura-se como urgente tarefa a ser levada a cabo pelo poder público municipal com apoio da comunidade. Em termos de política pública de preservação do patrimônio ambiental, cumpre identificar e documentar o que se considera relevante, o que detém valores históricos, culturais e ambientais.
Perdemos muitos dos nossos prédios antigos, que são demolidos impiedosamente, das áreas urbanas de valor histórico-cultural agregado que se degradam, das áreas verdes sumariamente suprimidas do mapa. Cabe-nos defender o que restou e aproveitar o processo em curso de ampliação do patrimônio ambiental, pressentido conceitual, temporal, cronológica, geográfica e popularmente.
Romeu Duarte
Arquiteto e urbanista
FONTE: DIÁRIO DO NORDESTE
http://diariodonordeste.globo.com/materia.asp?codigo=1314434
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