quinta-feira, 25 de junho de 2009

7ª FLIP - FESTA LITERÁRIA INTERNACIONAL DE PARATY-RJ









Hora de ouvir o mestre

A. P. Quartim de Moraes

" No dia 1º de julho abre-se a 7ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), importante evento que desde 2003 tem ajudado a oxigenar a discussão sobre literatura no Brasil. Talvez exatamente por se tratar de uma "festa", a programação da Flip tem-se concentrado em temas estritamente literários, geralmente relacionados às obras dos autores convidados, passando ao largo de questões políticas do mercado editorial. Mas, até porque o incentivo à criação literária é um dos objetivos expressos desse conceituado encontro, talvez fosse oportuno pensar em incluir em programas futuros a discussão de um tema que parece tão relevante quanto urgente, embora nada festivo: o estado pré-falimentar da literatura brasileira.

Alguns poucos editores genuinamente comprometidos com a valorização da literatura nacional se queixam de que muitos dos nossos novos e talentosos escritores mais atrapalham do que ajudam a produção literária quando se preocupam mais em criar estilos e gêneros do que em contar bem boas histórias.

Por outro lado, a tendência à formação de verdadeiras "panelinhas" no entrelaçamento de ambientes acadêmicos, literários e da mídia favorece uma clara elitização dos cânones e a exclusão de "não eleitos". Isso é fatal para a necessária revitalização permanente da produção literária.

Mas nem aos escritores "problemáticos" nem aos grupos fechados em torno de seus próprios interesses se pode atribuir a responsabilidade maior pelas perspectivas sombrias que pairam sobre a literatura brasileira, condenada a morrer de estiolamento, de morte matada. Essa glória pertence aos fundamentalistas do mercado que dominam o mundo do livro.

O negócio do livro no Brasil orienta-se hoje pela conclusão de um silogismo: o que não vende não se publica, literatura brasileira não vende, logo, literatura brasileira não se publica. Há que ressalvar, obviamente, as exceções a autores consagrados, assim mesmo em termos muito relativos. Dificilmente uma grande editora investe em obra de escritor brasileiro uma fração daquilo que não hesita em pagar, como adiantamento de direitos autorais, a qualquer cara nova estrangeira que desponte em listas de best-sellers no Primeiro Mundo.

A premissa de que literatura brasileira vende muito pouco, para justificar o desprezo que, de modo geral, o big business editorial tupiniquim tem por ela, é certamente discutível. Mas temos de nos render à evidência de que essa premissa tem respaldo nos fatos, na prática do mercado. E isso seria suficiente para justificar o diagnóstico aparentemente precipitado da condição pré-falimentar da produção literária brasileira. Parece sensato concluir que o que não vende não se publica...

Mas, só para argumentar, podemos inverter a equação: o que não se publica não vende mesmo.

E aprofundando: por que, afinal, literatura brasileira não vende?

A experiência profissional me habituou a ouvir, de livreiros e até mesmo de editores, a explicação, bem simplesinha, de que o desempenho do mercado demonstra que o leitor de livros brasileiro não tem grande apreço por conteúdos ficcionais nacionais; não se interessa, enfim, por histórias brasileiras. E seria apenas por essa razão que, na comparação com a nacional, a ficção estrangeira predomina nas listas de livros mais vendidos e - causa ou efeito? - nos catálogos editoriais e nas livrarias.

Se a programação das emissoras de televisão brasileiras seguisse o mesmo "critério", o chamado horário nobre estaria hoje tomado por séries do tipo Lost, 24 Hours, Sex and the City and so on. Não é o que ocorre. A teledramaturgia brasileira, fundada maciçamente em conteúdos brasileiros, é absolutamente hegemônica em audiência e conquistou um padrão de qualidade que se impôs no mercado internacional. É hoje talvez o maior produto de exportação brasileiro no campo da criação artística e cultural. O know-how por ela conquistado tem reflexos evidentes não só na criação de subprodutos de grande refinamento artístico - muitas das chamadas minisséries -, como até mesmo na recente produção cinematográfica nacional. Trata-se, é claro, de uma criação artística destinada ao consumo de massa, com tudo o que isso possa significar em termos de frustração da expectativa de maior sofisticação intelectual. Expectativa que, de resto, não chega a ser uma característica marcante do mercado livreiro. Mas o fato é que as novelas de televisão fazem sucesso em todos os estratos sociais. Até os leitores de bons livros as acompanham. Trata-se, inegavelmente, de um importante fenômeno cultural. E, claro, de um negócio extremamente lucrativo.

E por que a teledramaturgia brasileira está com essa bola toda, enquanto a nossa literatura definha? Simplesmente porque, há cerca de meio século, desde as experiências pioneiras das TVs Tupi e Excelsior, as emissoras de televisão, Rede Globo à frente, têm investido pesadamente no gênero. Hoje se colhem os frutos daquilo que vem sendo plantado há 50 anos.

Enquanto isso, o big business editorial brasileiro investe, também pesadamente, em autores estrangeiros bons... de vendas. Ou na invenção de escritores conterrâneos que já chegam ostentando a precondição da celebridade...

"Comparada às grandes, a nossa literatura é pobre e fraca. Mas é ela, não outra, que nos exprime. Se não for amada, não revelará a sua mensagem; e se não a amarmos, ninguém o fará por nós." Palavras de Antonio Candido de Mello e Souza, no prefácio à primeira edição (1957) de Formação da Literatura Brasileira.

Está na hora de dar ouvidos ao mestre!"

A. P. Quartim de Moraes é jornalista e editor. E-mail: apquartim@dualtec.com.br

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